Hyperion: a homenagem que passou perto de dar errado

Aline Caldas

Sempre acreditei que misturar vários elementos diferentes tinha grandes chances de resultar em algo não harmônico. Eis que, em um belo dia, provei uma salada de frutas e percebi que, na verdade, podia dar muito certo. Acredito que Dan Simmons seja fã de misturar ingredientes em suas obras, já que ele fez uma verdadeira salada de frutas para alimentar a alma dos leitores ao escrever Hyperion.

Em 2023, a editora Aleph trouxe para o Brasil um livro ambientado em um mundo distante. O Brasil e o planeta Terra são resquícios e mitos de uma sociedade há muito deixada para trás. Cogitar apresentar um celular, um notebook ou um óculos de realidade aumentada a algum morador da Idade Média do século XIII é um pensamento que desperta humor e até certo desespero, por não sabermos por onde começar a explicação. Com isso em mente, imagine Dan Simmons jogando seus leitores no mundo de sua obra literária, também com oito séculos de diferença, mas, desta vez, para o futuro.

No século XXIX, ainda existe um detalhe que conseguimos compreender sem muito esforço: a religião. A religião que movimenta essa história é centrada em uma criatura mística, que dizem possuir o dom de realizar um desejo de um fiel que faça parte de um grupo de sete pessoas. “Nossa, mas então é muito legal.” Realmente seria, se fosse apenas isso. O problema é que essa criatura também é conhecida por ser implacável, assassina e por possuir poderes que transcendem tempo e espaço.

De um grupo com sete integrantes, no qual sua chance de sucesso é de aproximadamente 14% e a de derrota, 86%, com a vida em risco, quem, e por qual razão, iria atrás de Picanço, a criatura mística? Seria desespero, fanatismo, loucura — ou tudo junto?

Referências literárias em Hyperion: Chaucer, Bram Stoker e John Keats

Olha a salada de frutas começando: Dan Simmons nos apresenta a sete peregrinos que estão a bordo da árvore-estelar templária chamada Yggdrasil — homenagem à cultura nórdica, na qual a árvore é considerada o eixo do mundo. A nave pode até não representar o eixo do mundo no qual está inserida, mas, de certa forma, é um eixo para seus tripulantes. É nela que os peregrinos irão se conhecer e também onde começarão a compartilhar suas histórias.

Com o intuito de se distraírem na última etapa do trajeto até Hyperion e, ao mesmo tempo, tentarem entender o motivo de sete estranhos estarem juntos na mesma peregrinação, é acordado que cada um contará sua história e o porquê de ter escolhido embarcar nessa viagem.

No quesito ingrediente-homenagem, o autor não poupou esforços. A mescla de gêneros narrativos das sete pessoas enquanto estão a caminho de um novo destino é uma homenagem ao livro Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, que utiliza o mesmo recurso em sua trama. Os variados veículos de narração também remetem aos romances epistolares, como Drácula, de Bram Stoker, ao fazer uso de cartas, diários, jornais e descrições de gravações de áudio, entre outros recursos narrativos.

Talvez a principal homenagem seja ao poeta John Keats, na escolha do título Hyperion. Apontar esse detalhe não é mera especulação apenas pelo fato de o falecido poeta ter um poema inacabado de mesmo nome, ou até por encontrarmos, ao longo do livro, um personagem chamado John Keats. Apesar de todos os indícios citados, o que mais reafirma essa homenagem é a dedicatória contida nas páginas iniciais do segundo livro, A Queda de Hyperion: “Para John Keats, cujo nome foi escrito n’eternidade.”

A salada, composta pelas histórias dos seis homens e da única mulher a bordo, começa a tomar forma e tudo parece ir de acordo com o planejado, até que um incidente sinistro acontece e uma das frutas — ops… pessoas — não consegue compartilhar sua motivação para ir a Hyperion. O que nos deixa de cabelos em pé de preocupação com essa falha na receita.

Quem é Picanço?

Sabemos que o ingrediente principal, o elo entre eles, é Picanço, o ser místico, mas ele também é o motivo de seus piores pesadelos. Com histórias dentro de histórias dentro de histórias, Dan Simmons nos faz saborear cada página de seu livro e, quando essas páginas acabam, temos certeza de apenas uma coisa: apesar de termos lido os relatos sobre a criatura mística, não sabemos de fato nada concreto sobre ela, muito menos suas motivações. Sentimos apenas a necessidade de comer uma salada de frutas, correr para a Livraria Leitura mais próxima e agarrar a continuação já disponível: A Queda de Hyperion, lançada em 2024, graças a Picanço — quer dizer, graças ao tradutor Leonardo Alves e à equipe editorial da Aleph.

Aline Caldas Ribeiro, elfa alienígena montada em um dragão de palavras.

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2 comentários em “Hyperion: a homenagem que passou perto de dar errado”

  1. Caio Raiche

    Só uma elfa alienígena pra fazer uma metafora dessa kkkkk eu já tava doido pra ler eswe livro. Agora preciso de Hyperion e uma salada de frutas kkkkkk

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  2. Júlia

    Excelente texto. Água na boca para ler o livro

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