Entre avatares e desabafos
Noite de Cavaleiros é um romance geek que fala sobre amizade, identidade e a coragem de ser quem se é

Viola Reyes está acostumada a viver entre mundos: o real, onde as amizades vacilam e as inseguranças pesam; e o virtual, onde ela pode ser quem quiser. Quando a campanha de RPG que ela criou com tanto carinho é rejeitada pelo seu grupo de jogos, a frustração logo se transforma em uma avalanche emocional, agravada pelo comentário nada sutil da melhor amiga: talvez Vi devesse ser mais “gostável”.
E, como se não bastasse, sua rotina escolar já é desafiadora por si só. Vice-presidente estudantil, ela precisa lidar todos os dias com Jack Orsino, estrela do futebol americano e presidente do grêmio, que mal olha na sua cara e age como se ela nem existisse.

Mas a história muda de direção quando o inesperado acontece. Jack sofre uma lesão que o afasta dos campos e o aproxima, sem querer, do universo em que Viola se refugia: o jogo online Noite de Cavaleiros. O que Jack não sabe — e Viola esconde com afinco — é que seu parceiro dentro do jogo, o avatar Cesário, é ela mesma. E assim começa uma narrativa em que a conexão virtual entre dois personagens ganha força justamente porque suas versões reais ainda não conseguem se encontrar de verdade.
Viola criou um personagem masculino no jogo não apenas como estratégia, mas como escudo. Ser uma garota competente em um ambiente dominado por homens ainda é um desafio, e o anonimato virtual se torna uma forma de liberdade.
No entanto, quando Cesário e Duque Orsino (o avatar de Jack) se tornam aliados inseparáveis no jogo, os laços que se constroem ali começam a transbordar para a vida real — ainda que nenhum dos dois saiba quem o outro é de verdade. O jogo, então, deixa de ser apenas uma distração e passa a ser um espaço onde os dois, sem perceber, se escutam como nunca fizeram fora da tela.
Esse é o ponto de partida de Noite de Cavaleiros, romance jovem de Alexene Farol Follmuth, publicado pela Editora Alt. Com 400 páginas e uma narrativa que mistura o universo geek, conflitos escolares e autoconhecimento na juventude, o livro entrega uma história que, embora divertida e leve, tem bastantes camadas.
Uma leitura que começa leve, mas emociona
Confesso: comecei a leitura esperando apenas uma comédia romântica adolescente com clima de RPG. Mas logo percebi que Noite de Cavaleiros vai além. Ele propõe conversas importantes sobre autoestima, identidade, pertencimento, amizades frágeis e descobertas — sem deixar de ser leve, divertido e fofo na medida certa.
A escrita da autora é fluida. Ela cria diálogos ágeis, situações engraçadas e momentos de introspecção sem quebrar o ritmo. O universo virtual é bem construído, com termos e estruturas que fazem sentido para quem já é familiar com MMORPGs, mas também acessível para quem nunca jogou (meu caso! rsrsrs).
O enredo também surpreende pela forma como desenvolve o vínculo entre os protagonistas. Viola e Jack não se apaixonam do nada. Eles se observam, se estranham, se conectam. A autora leva tempo para construir essa relação — tanto nos confrontos escolares quanto nas missões virtuais.
Personagens com falhas, dúvidas e camadas
Viola não é perfeita — e ainda bem. Ela sente raiva, se frustra, diz o que não deve, tenta se proteger atacando primeiro. E Jack também foge dos estereótipos do atleta popular. Quando se vê sem o futebol, que sempre foi sua principal identidade, ele precisa encarar o vazio do “e agora?”.
Ambos têm inseguranças que são tratadas com respeito. São adolescentes com dúvidas reais, enfrentando medos reais — e isso dá à história um frescor que muita literatura jovem às vezes esquece de explorar.
A narrativa também acerta ao falar sobre como nos escondemos: por medo de julgamento, por pressão social, por sobrevivência. Viola se protege com um avatar. Jack se esconde atrás do papel de esportista. E ambos vão descobrindo, aos poucos, que ser visto de verdade assusta — mas também liberta.
Para quem já se sentiu deslocado
Se eu pudesse definir Noite de Cavaleiros em uma palavra seria acolhimento. É um livro feito para quem já se sentiu inadequado, que não se encaixa nos padrões ou que foi chamado de “demais” por ser quem é.
É uma história que nos lembra que tá tudo bem não ter tudo resolvido. Que crescer dói — mas também é bonito. Que amizades mudam, que a raiva tem nome, e que precisamos deixar ser acolhidos para encarar o mundo real.
Durante a leitura, me vi pensando em quantas vezes a gente tenta se encaixar em moldes que não são nossos. Em quantas vezes nos escondemos para sermos aceitos. Em quantas versões de nós já criamos pra caber nos lugares.
Uma leitura jovem, mas cheia de maturidade
Mesmo com foco no público jovem, o livro não subestima seus leitores. Fala de temas como frustração, pressão para performar, medo do futuro e o sentimento de ser “menos” do que esperam de você. E faz isso com sensibilidade, humor e afeto.
A ambientação escolar, os embates entre presidente e vice do grêmio, os conflitos entre amigos que se afastam — tudo é tratado com naturalidade e verdade. Dá para lembrar da própria adolescência lendo essas páginas, e também dá para se enxergar nelas, mesmo já tendo passado dessa fase.
Quando terminei o livro, fechei a última página com aquela sensação boa de abraço. De que a leitura foi leve, sim — mas também cheia de significado. E o livro encerra com um bom conselho para qualquer momento da vida:
“Acho que a melhor coisa que a gente pode fazer na vida é cuidar uns dos outros — falei.
— O que não precisa significar casar e ter filhos — acrescento depressa.
— Eu só acho que talvez a felicidade não seja uma linha de chegada, ou finalmente conhecer a pessoa certa, ou conseguir o trabalho perfeito, ou encontrar a vida ideal.
São as pequenas coisas.
É o que acontece com você quando está plenamente acordado e sonhando.”
📘 Ficha Técnica
- Autora: Alexene Farol Follmuth
- Tradução: Vanessa Raposo
- Gênero: Romance
- Editora: Alt
- Páginas: 400