O Submundo dos Monstros: A Revolução Sombria de Cabal

Juliano Jacob

Poucos nomes na literatura de horror do século XX têm o peso e a influência de Clive Barker. Autor britânico responsável por algumas das narrativas mais ousadas e viscerais do gênero, Barker é um verdadeiro mestre da literatura de horror — não apenas um escritor de talento ímpar, mas também cineasta, dramaturgo, ilustrador e artista plástico. Ele ajudou a moldar o horror moderno com sua visão singular — erótica, monstruosa, filosófica e brutal. Obras como Hellraiser, Livros de Sangue e Candyman são apenas algumas das criações que o consagraram entre os maiores do horror contemporâneo, ao lado de nomes como Stephen King, Ramsey Campbell, Thomas Ligotti e Dean Koontz.

Entre suas obras mais icônicas está Cabal – Raça das Trevas, novela publicada em 1988, que desafia as convenções tradicionais do horror e propõe uma releitura radical da figura do monstro. Aaron Boone, o protagonista, é um homem perturbado, convencido por seu psiquiatra de que é responsável por uma série de assassinatos. Em sua fuga psicológica e física, Boone descobre Midian, um subterrâneo mítico habitado por criaturas conhecidas como a Raça das Trevas — seres perseguidos e marginalizados, que encontram ali um refúgio contra o mundo dos “normais”.

Essa história também ganhou vida no cinema com o cultuado filme Nightbreed (1990), dirigido e roteirizado pelo próprio Clive Barker. A adaptação — embora diferente do livro em tom e estrutura — carrega a mesma essência da obra original. Ambas as versões, livro e filme, se complementam como dois lados de uma mesma moeda, evidenciando a genialidade de Barker como narrador e sua rara habilidade de transitar entre mídias sem perder profundidade. Poucos artistas do horror conseguiram realizar isso com tamanha competência — talvez apenas David Cronenberg (diretor de Scanners, A Mosca e Crash – Estranhos Prazeres), que atua no filme performando como o insano Dr. Decker.

No Brasil, Cabal – Raça das Trevas foi lançado pela gloriosa DarkSide Books, em uma edição caprichosa que faz jus ao legado da obra. A DarkSide, aliás, tem sido a grande casa editorial de Clive Barker em território nacional. É a responsável por trazer aos leitores brasileiros os seis volumes da cultuada série Livros de Sangue, o aterrorizante Evangelho de Sangue, o inquietante Candyman (que inspirou o icônico filme de 1992, dirigido por Bernard Rose) e o monumental Hellraiser, talvez um dos melhores textos de horror do século passado — e base para o clássico cinematográfico de 1987.

Clive Barker é, acima de tudo, um artista completo. Além de sua obra literária e cinematográfica, escreveu peças de teatro ainda nos anos 1970, como The History of the Devil, e tem trabalhos reconhecidos como ilustrador e pintor, frequentemente ilustrando suas próprias obras com traços que evocam Francis Bacon e Goya. Sua arte está sempre à margem — dos gêneros, das formas, dos corpos — e é exatamente por isso que ressoa com tanta força em leitores e espectadores que buscam algo além do horror banal. Em Cabal, ele não apenas reimagina o mito do monstro: ele questiona a normalidade e propõe um novo mundo possível — estranho, sim, mas cheio de beleza e pertencimento.

Para quem aprecia horror com profundidade, estética e coragem, Cabal – Raça das Trevas é leitura obrigatória. Uma obra que dialoga com o cinema de Guillermo del Toro, com os devaneios sombrios de H. P. Lovecraft e com o horror social de Jordan Peele. Um livro que não apenas assusta, mas transforma. E, vindo de Clive Barker, não poderia ser diferente.

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