Conexões

Dizia Heráclito que ninguém atravessa o mesmo rio duas vezes — e talvez o verdadeiro enigma não esteja no rio, mas no olhar de quem o atravessa. Como percebemos as nuances do fluxo que chamamos de vida? Como narrar o caminho trilhado sem perder a delicadeza do instante e a profundidade das relações que nos constituem? Assim como o rio nunca é o mesmo, as conexões que fazemos também estão sempre em movimento, nos transformando a cada passo.
Conexões: mais do que um relato autobiográfico
Aos 50 anos, um dos maiores desafios pode ser escrever sobre a própria história com humor, lucidez e vulnerabilidade. E Adriana Alcântara, diretora-geral da Audible Brasil, nos oferece exatamente isso: um convite generoso à escuta e à reflexão, a partir das conexões que moldaram sua trajetória. Seu livro Conexões é mais do que um relato autobiográfico. É uma tapeçaria de vivências entrelaçadas por aprendizados, encontros e sentidos que se revelam aos poucos, como cartas embaralhadas que, uma a uma, compõem um destino possível.
Ao fim de cada capítulo, há uma contribuição de outra pessoa, ampliando o olhar sobre o tema abordado, e uma seção intitulada “Conectando os pontos”, seguida de um espaço dedicado à reflexão pessoal. O livro, assim, não apenas ensina: convida a pensar — e repensar — o próprio caminho.
Embora o propósito inicial da obra seja inspirar quem deseja assumir posições de liderança, seu valor extrapola o universo corporativo, porque, no fundo, Conexões fala sobre aquilo que nos torna humanos: a arte — complexa, desafiadora e sublime — de nos relacionarmos com o outro.
Convenhamos: essa arte exige mais do que tempo. Exige presença, escuta, erros, revisões, intuição e coragem para reaprender. Exige flexibilidade.
Sobre os capítulos
Os capítulos são organizados por temas: sorte, confiança, coragem, flexibilidade, inteligência emocional, escuta e empatia. Todas elas aparecem encarnadas nas experiências de Adriana, que começou a trabalhar muito cedo (literalmente meses) e, desde então, cultivou uma postura rara: a de querer dar o melhor de si, não apenas na tarefa, mas no cuidado com o contexto e com as pessoas.
Porque, afinal, o que move a vida, senão as pessoas?
Há capítulos tocantes. Um deles — “Flexibilidade” — talvez seja um dos mais reveladores. Nele, Adriana narra sua experiência vivendo em Bagdá, no Iraque, em meio a uma cultura completamente distinta, sem dominar a língua, enfrentando uma rotina desafiadora. Nesse contraste, ela nos mostra que a cultura não apenas molda nossas palavras, mas também nosso paladar, nossas roupas, nossos gestos e nossos silêncios. Mais que tudo, ela define como nos relacionamos uns com os outros.
“Ao ser flexível, a gente pode se espantar com o quanto conseguimos suportar e o quanto podemos ir mais longe.”
A flexibilidade, nesse contexto, não é apenas uma habilidade — é uma filosofia de vida. Essa filosofia, no caso de Adriana, foi aprendida em casa, com uma mãe que, em meio a uma guerra, tornou-se professora de música. O lema da família? Aprender sempre — idiomas, instrumentos, culturas.
Em outro momento, Adriana fala sobre inteligência emocional. Quantas vezes, ao longo da vida, nos deparamos com pessoas difíceis — ou com nós mesmos, em versões difíceis de lidar? Quantas vezes a vida não nos entrega a carta certa e, ainda assim, precisamos continuar jogando?
Adriana narra essas experiências com leveza, humor e sensibilidade. Em um dos trechos mais belos, a escritora convidada Carolina Andrade cita Wittgenstein:
“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.”
E aqui repousa uma verdade delicada: sem as conexões humanas, não haveria sequer linguagem. Somos, antes de tudo, seres de relação. A linguagem é um jogo — não no sentido de disputa, mas como dança simbólica que só faz sentido quando compartilhada.
Sem adaptar a linguagem ao contexto, ao outro e ao momento, a comunicação se rompe. E, no ambiente corporativo, como na vida, comunicar não é apenas falar. É saber escutar, interpretar, sentir. É uma entrega.
Adriana percorreu empresas como Apple, Nickelodeon, Audible, Discovery e Warner Bros. Porém, o que realmente impressiona em sua trajetória não é apenas o currículo, mas a capacidade de atravessar tudo isso com humanidade. Suas habilidades, forjadas em vivência, criaram pontes entre os mundos que ela atravessou. Isso é o que faz sua história ecoar.
O que seríamos sem conexões?
O que seríamos se apenas fizéssemos o que deve ser feito, sem jamais ousar o algo mais? Pessoas que transformam contextos não se acomodam na zona de conforto. Elas ousam, criam, erram, aprendem — e, sobretudo, se conectam.
No fim das contas, não é sobre liderar. É sobre lembrar que nossa maior potência está na capacidade de criar laços.
Porque viver, afinal, talvez seja isso: aprender a escutar, a mudar, a errar menos — e a se conectar melhor.
E, se há alguma “lição” no livro, talvez seja esta: a de que a vida acontece nos encontros.