Como lidar com o “Medo de Dar Certo”

Até que ponto somos, de fato, conscientes da realidade que criamos? O que nos autoriza a afirmar que algo ainda não vivido será trágico ou extraordinário? E mais ainda — de onde nasce o medo de que tudo dê… certo?
Não é incomum desejar aquilo que nos disseram ser o ideal: uma carreira bem-sucedida, conexões frutíferas, relações amorosas estáveis. Mas e quando, à beira da realização, recuamos? Quando o sonho vira ameaça? Freud chamou esse enigma de Wiederholungszwang, ou seja, a compulsão à repetição. Em Além do Princípio do Prazer (1920)¹, ele aponta para um retorno insistente do recalcado — aquilo que não foi simbolizado, não metabolizado pela linguagem e, por isso, retorna em ato, como se quisesse finalmente ser ouvido.
O que isso tem a ver com o medo de dar certo? Absolutamente tudo. É aí que o “medo de dar certo” ganha contornos mais profundos. O que se repete em nós não é só o erro — é a tentativa fracassada de significar algo que não conseguimos nomear. Nesse sentido, o sucesso também pode ser traumático, porque exige um novo lugar simbólico para o qual, muitas vezes, não fomos preparados.
É nesse espaço entre o desejo e o bloqueio simbólico que a escrita de Natália Sousa se insere como ponte. Não como solução, mas como uma nova forma de jogar com as regras do jogo.
Natália Sousa, jornalista e criadora do podcast Para dar nome às coisas, escreve com uma lucidez delicada e um humor sutil que desarma. Com palavras simples, mas cheias de reverberações internas, ela traduz medos que julgávamos inconfessáveis — daqueles que acreditamos ser só nossos, íntimos demais para serem compartilhados. Mas não são. São humanos. É justamente essa revelação que transforma: perceber que o medo de dar certo não é um desvio, mas uma presença comum na experiência de existir.
Costumamos nomear apenas o medo do fracasso. Mas e o medo do êxito? E se for justamente o possível — e não o impossível — que nos assusta mais?
¹ “O fato novo e digno de nota que nós agora temos que descrever é que a compulsão de repetição também traz de volta aquelas vivências do passado que não contêm nenhuma possibilidade de prazer, que tampouco naquele tempo puderam trazer satisfações, nem mesmo das moções pulsionais desde então reprimidas.” (FREUD, S.)
Reconhecer esses medos é um caminho. Um passo para além do autoconhecimento: é o início de uma mudança de perspectiva sobre quem somos, para onde vamos e o que, de fato, desejamos. A mente sussurra certezas com aparência lógica. Vemos ameaças onde há apenas projeções, como no trecho em que Natália compartilha:
“Eu queria usar uma blusa aberta, mas tinha uma reunião naquele dia e tive certeza de que, se meus chefes e colegas vissem aquela tatuagem, pensariam que eu tinha desenhado uma mulher nua no braço, porque eu gostava muito de sexo e queria evidenciar isso.
Hoje eu não consigo lembrar disso sem dar risada. Porque é ridículo, extremamente ridículo, mas também é humano. Muito humano.
Quem estava atribuindo a tatuagem de uma mulher nua a uma mensagem erótica, e não poética, era eu mesma. Não os meus colegas de trabalho, que nem tinham visto o desenho ainda.”
Nesse gesto, desmonta a lógica do julgamento internalizado, que aprisiona o desejo em narrativas de censura. O medo de dar certo, ela mostra, é também o medo do olhar do outro — esse outro que internalizamos e transformamos num carcereiro invisível.
Família, cultura, religião, traumas ancestrais — tudo pesa. E, mesmo assim, ela nos convida a perguntar: quem fomos antes das referências externas?
É uma pergunta que assusta. Mas também liberta.
Com pós-graduação em Filosofia, Natália percorre essas camadas com leveza e lucidez. Longe do academicismo rígido, ela opta por uma sabedoria que nasce da escuta — de si, dos outros e do tempo.
“O julgamento é uma espécie de porteiro das emoções. É ele quem quer decidir quem pode ficar e por quanto tempo. Esquecemos que, em um corpo vivo, todos os sentimentos e todas as emoções têm morada garantida.”
A gente devora o livro assim como o nosso medo: nos indagando, rindo de nós mesmos depois e, principalmente, dando tempo ao tempo.
“O tempo ajuda a decantar o que é medo, o que é ansiedade, o que é tentativa de controle, o que é uma ameaça real e o que são só narrativas apocalípticas da nossa imaginação.”
Lidar com a caixinha de ferramentas chamada emoções vai além das técnicas. Às vezes, é o tempo — e só ele — quem mostra que a lente estava opaca, que aquelas vozes na cabeça não tinham tanta razão quanto pareciam. Pausa. (C)alma. Tempo.
Emoções. São diversos pratinhos para a gente driblar nessa brincadeira difícil de jogar chamada vida. Mas é nesta singularidade chamada existência que aprendemos que os conceitos que a gente achava que eram rígidos, na verdade, são moldados, lapidados e transformados.
Em uma das analogias mais bonitas sobre o caminho do autoconhecimento, Natália nos ensina a importância do ato de nos conhecer:
“Cuidar do nosso processo de autoconhecimento é como cuidar de uma casa. Quanto mais em ordem as coisas estão, mais fácil fica de morar naquele espaço. Isso não significa eliminar de vez e para sempre toda a bagunça e, sim, saber onde estão as rachaduras, os vazamentos e as fragilidades estruturais da casa. Quanto mais conhecemos algo, maior a chance de não sermos surpreendidos negativamente.”
Sua escrita, que acolhe sem poupar reflexão, funciona como um espelho que não julga — apenas reflete. E, ao refletir, revela: o medo de dar certo talvez não seja um obstáculo, mas um convite. Um convite a reimaginar o que é “dar certo”. E, sobretudo, a dar nome às sombras que nos acompanham, para que possamos, enfim, habitá-las. Sem tanto medo. Com um pouco mais de luz.
E se dar certo não for um ponto de chegada, mas um ponto de partida? Uma travessia que exige outro olhar — um conceito que se molda à medida que nossa lente interna se torna mais nítida?
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