Galo de Briga: uma HQ sobre cair para aprender a voar

Alguns heróis precisam cair para começar a voar em suas jornadas — e foi exatamente essa a sensação que tive ao terminar a leitura de Galo de Briga, HQ lançada pela Faro Editorial através do selo Poseidon. A trama de Mark Pellegrini homenageia a chamada “Era de Ouro” dos quadrinhos, mas com alma própria, coração partido e um Frank Cooper (alter ego do protagonista) que carrega no peito o peso da arrogância — e, talvez, das expectativas que todos colocamos sobre quem veste uma capa.
A Era de Ouro sob nova luz
Se você é apaixonado por HQs, vai entender logo de cara do que se trata. A Era de Ouro dos quadrinhos, que vai aproximadamente de 1938 ao início dos anos 1950, foi o berço dos super-heróis como os conhecemos hoje. É nesse período que personagens icônicos como Superman, Batman e Mulher-Maravilha surgem com seus uniformes impecáveis e ideais elevados. Tudo era grandioso, colorido, moralmente claro. Os heróis eram quase mitos vivos, perfeitos em seus propósitos e ações. Galo de Briga, no entanto, tenta ser a antítese dessas idealizações – ainda que mergulhe nessa estética com uma certa reverência -, afinal, os autores propõem algo mais denso: um herói rachado por dentro, que se perde na própria imagem e precisa encarar as consequências dessa desilusão.
Logo nas primeiras viradas de página, a arte de Mitch Breitweiser me amarrou na poltrona de leitura. Os traços sujos, as cores chapadas e a composição dos quadros remetem diretamente ao estilo dos quadrinhos pulp, aqueles gibis de aventura e mistério que invadiram bancas de jornais no começo do século XX. O exagero visual quase teatral é um charme que reforça o tom clássico, porém sem soar datado. Tudo isso cria um clima que lembra as grandes histórias de antigamente, mas com uma pitada de modernidade que faz tudo parecer fresco e relevante.
Entre sombras e heranças
Para situar o leitor, cabe dizer que a trama se passa em uma terra seca, rachada, esquecida — cenário típico dos anos 1930, durante o “Dust Bowl“, quando a poeira engoliu o meio-oeste estadunidense. Nesse ambiente sufocante, acompanhamos um herói vaidoso e impulsivo, mais fascinado por sua própria fama do que por qualquer senso de justiça. Ele não é um símbolo e sim um homem falho e humano – e o roteiro faz questão de expor cada rachadura em sua figura, enquanto o mundo ao redor desmorona com a mesma intensidade silenciosa.
Um dos elementos que mais me chamaram a atenção foi a relação do Galo com o pai. Ela me lembrou muito a dinâmica entre Clark e Jonathan Kent, mas com diferenças claras. Enquanto Jonathan representa uma figura paternal amorosa e acolhedora do Kansas, aqui o pai do Galo é duro, exigente, daqueles que educam sob tons mais cinzas de cobrança e rigor. Essa rigidez dá profundidade ao herói, revelando que talvez o orgulho do protagonista seja também uma tentativa de conquistar a aprovação paterna – algo que pode nunca vir, mas que o persegue como uma sombra constante.
Parceiros e o peso das batalhas (externas e internas)
Outro ponto que me ganhou ao longo da leitura foi a presença de um mascote na vida do protagonista – algo que me trouxe uma sensação agridoce de nostalgia. A partir daí, não há como deixar de fazer uma conexão direta com o Krypto, o supercão do Superman na Era de Prata. Só que, ao contrário do cãozinho do maior super-herói de todos os tempos, o melhor amigo do Galo de Briga é mais astuto do que superpoderoso. Não voa, não tem superforça, mas é inteligente, leal e uma presença constante. Essa amizade dá um toque de humanidade maior ao que está sendo contado e reforça o vínculo afetivo – algo tão típico dos gibis antigos, quando os heróis não estavam sozinhos, mas sempre acompanhados de parceiros fiéis.
A galeria de vilões do Galo também merece destaque. Eles têm aquele tom meio absurdo, meio teatral que remete diretamente às histórias do Flash, especialmente nas fases mais lúdicas e criativas do personagem. Mas esses vilões não são meros obstáculos caricatos – eles parecem representar, cada um, uma falha ou conflito do próprio protagonista. É como se o herói emplumado lutasse contra versões distorcidas de si mesmo, o que torna cada embate mais simbólico e cheio de camadas.
Heróis e as histórias que não envelhecem
Ao chegar no final da HQ (sem dar spoilers), posso dizer que não se trata de um desfecho clássico. Nada de redenção simplória, nem de vitória limpa como num episódio de He-Man e Os Mestres do Universo. O final é amargo, incômodo, e deixa muitas pontas soltas — uma escolha narrativa quase perfeita, porque fecha o quadrinho com um sentimento de inquietação que permanece muito tempo depois da última página.
Desde que terminei de ler Galo de Briga, essa inquietação me acompanha. Quando uma HQ consegue ficar comigo dessa maneira, sei que cumpriu seu papel. A partir de um herói longe de ser invencível, um personagem complexo — cheio de falhas e bem próximo do que consideraríamos real caso esses figurões andassem entre nós —, abraçamos a jornada do protagonista.
Além de tudo isso, o quadrinho me fez pensar muito sobre como histórias que homenageiam o passado podem, ao mesmo tempo, ser reflexo do presente. A HQ não só revive a estética clássica, mas usa essa linguagem para dialogar com o leitor contemporâneo, que não vê mais os heróis como figuras perfeitas e que enxerga a possibilidade de mitos serem desconstruídos. Essa conexão entre passado e presente me fez encerrar essa jornada com a sensação de que essas histórias não envelhecem, mas se transformam junto com a gente.

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