Contos de Ficção Científica: o Edgar Allan Poe que antecipa futuros

Willyara Amorim

Edgar Allan Poe é lembrado como mestre do terror e do gótico, mas limitar sua obra a isso é reduzir demais sua complexidade. Edgar Allan Poe: Contos de Ficção Científica, lançado pela Editora Aleph e organizado por Martha Argel e Humberto Moura Neto, revela um Poe diferente: visionário, especulativo e satírico. Um autor que, muito antes de o gênero se consolidar, já testava suas fronteiras.

Os organizadores não apenas reúnem os contos, mas os envolvem em textos de apoio que iluminam o contexto, explicam as referências e apontam as inovações. Para quem chega sem intimidade com o autor — como eu, que havia lido apenas O Poço e o Pêndulo —, essas notas funcionam como guia e convite. Mostram onde Poe está rindo, onde está especulando e onde antecipa ideias que só fariam sentido décadas depois. Ler essa edição é entrar em diálogo com o autor e com seus intérpretes.

Esse diálogo se torna ainda mais rico com o excelente prefácio de Bruno Anselmi Matangrano e o pósfacio de Humberto Moura Neto. O primeiro abre as portas para a leitura, situando o leitor no Poe que vai além do horror. O segundo encerra a coletânea ampliando o olhar, costurando os contos e nos lembrando do tempo histórico e da dimensão de um autor que se tornou referência mundial. Por conseguinte, juntos, criam a moldura perfeita da obra: contextualizam, aprofundam e reforçam a multiplicidade de Poe.

A coletânea é dividida em blocos temáticos, e cada um revela um Poe distinto. Nos contos de aventuras marítimas, como Uma descida no Maelström, o horror natural se mistura com observação quase científica. A história de um pescador engolido por um redemoinho não é apenas suspense: é também uma reflexão sobre padrões, sobrevivência e racionalidade diante do caos.

Já em Os fatos no caso de Monsieur Valdemar, Poe empurra o leitor para o grotesco. A ideia de um homem hipnotizado no instante da morte, suspenso entre consciência e decomposição, ainda hoje perturba. É um conto que obriga a fechar o livro por um instante, só para respirar.

Mas Poe também sabia rir. Em Conversa com uma múmia, inverte a lógica do progresso: é a antiguidade que debocha da modernidade. O sarcasmo é certeiro, mostrando como o presente se acha superior sem perceber suas próprias limitações. Aliás, foi sem dúvidas o meu conto favorito.

Outros textos assumem tom quase filosófico. O poder das palavras transforma a linguagem em força criadora, um gesto que soa tão ousado quanto delicado. Já Mellonta Tauta arrisca uma carta escrita do futuro, ironizando política e sociedade com uma atualidade desconfortável — como se Poe tivesse colocado um espelho diante do nosso tempo.

Esses foram os contos que mais me marcaram: Valdemar, pelo choque; Maelström, pela fusão de ciência e aventura; Múmia, pelo humor ácido; Palavras, pela beleza reflexiva; e Mellonta Tauta, pela ousadia futurista. Cada um deles é uma faceta de um autor que nunca se deixou aprisionar em um único rótulo.

A grande revelação da coletânea é justamente essa: Poe não foi apenas o arquiteto do medo. Foi também um pioneiro da ficção científica, um crítico mordaz do seu tempo e um experimentador que usava o conto como laboratório de ideias. Ler esses textos hoje é perceber que o século XIX já carregava perguntas que continuam vivas em 2025: até onde vai a ciência sem ética? Qual é o limite da arrogância humana? Como lidamos com o futuro quando rimos ou trememos diante dele?

Se O Poço e o Pêndulo me apresentou ao Poe do terror, Contos de Ficção Científica me mostrou quantos outros “Poes” existem. Terminei a leitura não só com vontade de mergulhar no autor que todos conhecem, mas também com respeito renovado pelo escritor que ousou pensar para além do seu tempo.

No fim, essa não é apenas uma coletânea de contos. É um mapa para explorar um Poe menos óbvio, mas igualmente essencial. Um autor que, entre o grotesco, o científico e o satírico, continua a nos fazer a mesma pergunta incômoda: o que vemos quando olhamos para o futuro?


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