O Fenômeno NVIDIA: Disciplina, Risco e a Política da Tecnologia

Iveth Duque

Em 2024, a NVIDIA alcançou o topo do mercado global ao superar US$ 3,3 trilhões em valor. Essa ascensão não se explica apenas por engenharia avançada, mas por uma visão moldada na trajetória de seu fundador.

Jensen Huang, conhecido como Jensen, imigrante taiwanês marcado por dificuldades desde cedo, estruturou a empresa a partir de uma ética da disciplina que transforma esforço em caráter — assim como na filosofia oriental. Não se trata de estratégia empresarial, mas de uma forma de se relacionar com o dever: o gesto mínimo deve carregar a mesma integridade do gesto máximo.

Essa perspectiva aparece dentro da NVIDIA em práticas que contrastam com a cultura corporativa ocidental. A lousa branca, adotada como símbolo, expressa uma busca por clareza radical.

Erros deixam de ser ocultados e passam a servir como matéria para aprendizado coletivo. A lógica é simples e funciona também para o feedback: quando apenas uma pessoa aprende, o erro é custo; quando todos aprendem, ele se converte em avanço.

“Feedback é aprendizado. Por que você deveria ser a única pessoa a aprender com o erro? Foi você que criou as condições devido a um erro ou a uma tolice que cometeu, mas todos nós deveríamos aprender com essa oportunidade.” (p. 188)

Outro elemento que define a empresa é a ideia de trabalhar no limite do possível: a chamada “velocidade da luz”. Mais do que metáfora, é um princípio que rejeita barreiras impostas por processos burocráticos e questiona qual é, de fato, o ritmo real que um time pode alcançar. Essa intensidade produz admiração e críticas, mas ajuda a explicar a capacidade de execução que marca a trajetória da NVIDIA.

Fundada em 1993 por Jensen Huang, Chris Malachowsky e Curtis Priem, a empresa começou apostando em uma arquitetura ousada com o chip NVI. A proposta não prosperou, mas estabeleceu uma característica que se tornaria recorrente: tolerar risco para tentar antecipar o futuro.

A virada veio em 1997 com o RIVA 128, que unificava 2D e 3D, oferecia compatibilidade com Direct3D e contava com drivers estáveis, uma combinação rara na época. O resultado foi a entrada definitiva da NVIDIA no cotidiano dos usuários.

A partir daí, a empresa acelerou de modo contínuo: GeForce, CUDA, computação científica, data centers, supercomputação e, por fim, inteligência artificial. Suas GPUs deixaram de ser apenas componentes e se tornaram infraestrutura. Hoje, boa parte da pesquisa contemporânea — médica, científica, militar ou de IA — depende direta ou indiretamente de sua arquitetura.

É nesse ponto que o livro de Tae Kim ganha profundidade. A história da NVIDIA revela que a tecnologia não é neutra: carrega valores, decisões e assimetrias de poder. Como lembra Langdon Winner1 em sua obra “Artefatos têm política?”2, porque moldam formas de autoridade ao definir o que é possível, quem depende de quem e quais caminhos se tornam inevitáveis. As GPUs e data centers da NVIDIA não apenas aceleram cálculos; estruturam fluxos de informação e, com isso, influenciam a direção da própria pesquisa científica e da imaginação tecnológica.

Surge então o paradoxo central: uma empresa que ascende pela força de sua disciplina técnica se torna, ao mesmo tempo, um ator que redefine as fronteiras do possível. Quanto mais indispensável sua infraestrutura, maior o alcance político de suas escolhas de design.

O mérito do livro está em mostrar que a NVIDIA não é apenas um caso empresarial; é um fenômeno que ilumina como ética pessoal, engenharia e poder se entrelaçam na construção do mundo digital contemporâneo.


Notas de rodapé

1 Professor de Ciência Política no Departamento de Estudos de Ciência e Tecnologia na Rensselaer Polytechnic Institute (EUA).

2 “Do Artifacts have Politics?” in “The Whale and the Reactor – A Search for Limits in an Age of High Technology”. Chicago: The University of Chicago Press. 1986. p. 19-39. (traduzido por Fernando Manso).


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