“Max Medroso” e o dia em que desligar virou ato de coragem

Ronaldo Gillet

Quando mergulhei despretensiosamente na leitura de Max Medroso, não demorei a perceber que se tratava de uma daquelas obras que cutucam um fio (desencapado) solto dentro da gente. Ao final do que era para ser uma jornada de abstração infantojuvenil, quase nada estava exatamente no mesmo lugar dentro do leitor que aqui vos escreve.

Cheguei a essa conclusão não apenas por ter lido um verdadeiro tutorial sobre como lidar com medos personificados por monstros e portais interdimensionais, mas porque, de maneira quase sorrateira, reconectei-me com uma pergunta que vinha piscando em segundo plano no fundo da minha mente havia tempos: quando foi que o mundo ficou tão barulhento — e por que a gente aceitou isso sem lutar?

A premissa da HQ é simples e engenhosa. Max é um garoto que tem medo de praticamente tudo: do escuro, das sombras, de dentistas, palhaços e do que mais couber nessa lista infinita que permeia a infância de quem já nasceu na era digital ou de millennials.

O grande sonho do protagonista homônimo à obra — como o de qualquer criança contemporânea —, é ganhar um telefone celular. O problema é que o desejo vem com efeitos colaterais. Ao mexer onde não devia, Max abre o lendário Portal dos Horrores e acaba sugado para uma aventura que mistura laboratório interdimensional e vilões excêntricos. A ameaça, porém, soa absurdamente familiar: Celulord, um antagonista que pretende dominar a humanidade por meio dos smartphones, transformando pessoas em zumbis digitais.

O texto de André Catarinacho entende algo essencial sobre infância e ansiedade, tratando o medo como uma espécie de linguagem universal e não como fraqueza. Os receios de Max são puro suco de matéria-prima narrativa: movem a história, criam situações cômicas e, ao mesmo tempo, desenham um retrato bastante honesto de uma geração que já cresce com o mundo inteiro piscando na palma da mão. O humor nonsense também funciona como anestesia e lupa. Rimos, mas reconhecemos o incômodo como uma farpa que precisa ser retirada.

Visualmente, Felipe Nunes entrega um espetáculo à parte. As cores vibrantes, o traço enérgico e as expressões exageradas criam uma sensação constante de movimento. Há uma psicodelia muito específica nesse conjunto, aquela que marcou época nas animações do Cartoon Network dos anos 1990 e 2000. É impossível não lembrar de A Vaca e o Frango, Johnny Bravo, Du, Dudu e Edu e, sobretudo, Coragem, o Cão Covarde. Obras que pareciam infantis na superfície, mas escondiam uma estranheza deliciosa — às vezes perturbadora, sempre memorável. Max Medroso bebe dessa fonte sem parecer refém da nostalgia: atualiza aquele espírito para dialogar com os nós na garganta contemporâneos.

É aqui que a HQ acerta em cheio, provocando uma reconexão pessoal com a necessidade que, creio eu, todos nós temos, de um detox digital. Certamente, éramos muito mais felizes quando os telefones serviam apenas para fazer ligações e o silêncio não era imediatamente preenchido por notificações. Max Medroso não demoniza a tecnologia de forma panfletária, mas expõe o quanto ela ocupa, sem pedir licença, todos os cantos da vida. O vilão é exagerado, quase ridículo, mas a metáfora é cristalina.

Há uma inteligência rara em conseguir falar disso para todas as idades. Crianças leem uma aventura acelerada, engraçada e visualmente estimulante. Adultos enxergam o subtexto: a crítica ao consumismo digital, a ironia de uma humanidade que não precisou de vilão algum para se alienar. O elogio de Jeff Kinney (Diário de um Banana) na capa do quadrinho não é gratuito. A imprevisibilidade do livro está justamente nessa capacidade de mudar de camada conforme o olhar de quem lê, como aquelas animações que só entendíamos por completo muitos anos depois.

Outro viés que chama a atenção no quadrinho nasce da parceria entre Max e o Mico Leão Malvado, sustentando o ritmo e ampliando o alcance da história. A dinâmica entre o garoto ansioso e o companheiro imprevisível gera situações que remetem a duplas clássicas da comédia animada, sempre à beira do caos. Tudo acontece rápido, por meio de capítulos curtos e ganchos bem posicionados, como se a HQ entendesse que compete com mil estímulos externos — inclusive com aqueles que ela mesma questiona.

No fim, Max Medroso é um lembrete de que desligar também pode ser um gesto de coragem. Que enfrentar nossos monstros internos talvez seja mais fácil quando o mundo analógico recupera um pouco de espaço dentro de nós. Não obstante, às vezes, a maior revolução não está em atravessar portais interdimensionais, mas em simplesmente colocar o celular de lado e redescobrir o prazer silencioso de virar uma página.


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