A República Tecnológica: entre promessas e dilemas

Toda era tecnológica começa com promessas e termina em dilemas.
A nossa não é exceção. A questão já não é mais o que podemos criar, mas para quem e a que custo. Entre o lucro imediato e a responsabilidade histórica, entre o engenheiro e o estadista, está o destino daquilo que chamamos de “progresso”.
É nesse ponto de inflexão que A República Tecnológica nos obriga a pensar.
Quando a inovação é moral?
Como orientar a inovação tecnológica para que sirva ao bem social e não apenas ao lucro imediato?Até que ponto o setor deve apoiar-se no Estado? E, mais profundamente, até que ponto seria um dever moral das iniciativas privadas pensar-se como parte de um projeto nacional?
A partir dessas perguntas, Alexander Karp e Nicholas Zamiska iniciam A República Tecnológica, estruturando sua argumentação em dois movimentos: primeiro, relembrando que ciência e política já estiveram lado a lado, como no decisivo Projeto Manhattan; segundo, denunciando a indiferença contemporânea diante da política como um problema urgente e estrutural.
O alerta de Einstein
Nesse espírito, ecoa a advertência de Albert Einstein, no ensaio “Sobre a degradação do homem na ciência”, presente em Como Vejo o Mundo:
“Se o cientista contemporâneo encontrar tempo e coragem para julgar a situação e sua responsabilidade, de modo pacífico e objetivo, e se agir em função desse exame, então as perspectivas de uma solução racional e satisfatória para a situação internacional de hoje, excessivamente perigosa, aparecerão profunda e radicalmente transformadas.”
Assim como Einstein alertava sobre a degradação moral do cientista, Karp e Zamiska defendem que a tecnologia moderna exige consciência ética.
A história, no entanto, mostra que a ciência, mesmo quando guiada por ideais elevados, não está imune ao colapso moral.
A história como prova do risco moral
Em 1914, no Aufruf an die Kulturwelt (Manifesto dos 93), alguns dos mais proeminentes intelectuais e cientistas da época defenderam a “ciência alemã” como instrumento de justificação nacional, negando não a ocorrência das atrocidades, mas a responsabilidade plena da ciência e de seus autores diante das consequências de suas descobertas.
O pós-guerra e o próprio Projeto Manhattan marcaram um distanciamento formal entre ciência e Estado. Se o século XX foi a era da física como força política, o século XXI se delineia como a era da tecnologia — especialmente do software. Ainda assim, a separação nunca foi absoluta: toda criação científica ou tecnológica carrega valores explícitos ou implícitos e, portanto, nunca é verdadeiramente neutra.
O núcleo argumentativo do livro
Sobre essa premissa, A República Tecnológica constrói seu núcleo argumentativo: a urgência de restabelecer a tensão produtiva entre ética social e cooperação estatal na criação tecnológica. Ao retomar as palavras de Einstein, a interrogação permanece:
“Qual a meta que deveríamos escolher para nossos esforços? Será o conhecimento da verdade ou, em termos mais modestos, a compreensão do mundo experimental, graças ao pensamento lógico coerente e construtivo? Ou será a subordinação de nosso conhecimento racional a qualquer outro fim, digamos, por exemplo, ‘prático’?”
Do programador ao agente político
Para Karp e Zamiska, a tecnologia exige mais do que a habilidade técnica do programador: requer uma consciência política capaz de transcender tanto o silêncio quanto a mera opinião pública dispersa. É preciso reformular a mentalidade utilitarista dominante no Vale do Silício e transformar a inovação em um ato socialmente orientado. Essa necessidade se torna ainda mais urgente num mundo moldado pela inteligência artificial, em que não testemunhamos apenas efeitos técnicos, mas também uma nova fratura existencial: a ruptura do “eu” diante da imersão total no ambiente tecnológico.
“As tecnologias que estamos criando, inclusive as formas inovadoras de IA que podem vir a desafiar o atual monopólio do país sobre o controle criativo global, são elas mesmas um produto de uma cultura cuja preservação e desenvolvimento, mais do que nunca, não podemos nos dar ao luxo de abandonar. Talvez tenha sido justo e necessário desmantelar a antiga ordem. Agora precisamos construir algo para a substituir.”
Tecnologia pode preservar cultura?
Fica claro que a empresa em que os autores atuam, a Palantir Technologies Inc., vai contra a maré de boa parte do setor tecnológico, reforçando a importância do entrelaçamento entre Estado e tecnologia, cuja base reside na dimensão criativa do processo. Se o espaço público é cada vez mais manipulado e enviesado, e a linguagem se afasta de sua fonte originária, resta a questão: o que nos sobrará?
Urgência além do Vale do Silício
Este problema não é futuro: já está em curso. A urgência que atravessa A República Tecnológica revela que a dimensão mais humana de todas está em risco. Por isso, as preocupações tecnológicas precisam ultrapassar a bolha do Vale do Silício.
Com linguagem acessível, conteúdo denso e amplo repertório de referências históricas e bibliográficas (quase sessenta páginas dedicadas apenas a embasar a tese central), Karp e Zamiska mostram que a tecnologia precisa caminhar lado a lado com a ambição nacional e o trabalho governamental. Embora a análise se concentre na economia norte-americana, os valores defendidos, sobretudo os éticos, transcendem fronteiras. No fim, talvez a verdadeira questão não seja se a tecnologia servirá ao Estado ou ao mercado, mas se ainda haverá o senso crítico, cuja importância humana vai além da própria criação tecnológica, em um mundo onde os valores se tornam cada vez mais… sombrios.
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