As sereias de Titã: quando o absurdo faz mais sentido que a realidade

Era uma vez 1959, um ano que foi usado da melhor forma que um ano poderia pensar em ser usado – caso eles tivessem essa habilidade. Neste ano, o autor Kurt Vonnegut lançou um dos melhores livros satíricos da ficção científica: As sereias de Titã.
O sarcasmo, a sátira e a inteligência da obra são um agradável colírio de pimenta para nossos olhos. Os eventos são tão absurdos e contrastantes que nos fazem pensar: “não acredito que estou lendo isso / que bom que estou lendo isso”, e isso evolui para: “por que Vonnegut simplesmente não escreve tudo o que eu tenho que ler na vida?”.
Não há uma instituição sequer que ele não critique nesse livro. “Ah, mas como isso é possível?”, você pode estar se perguntando. É claro que, sem ler, não dá para entender mesmo. A não ser que você leia mentes – ou este texto.
Deixe-me começar do começo. Ou do final – depende do ponto de vista.
O começo do fim
Você já ouviu falar do Infundíbulo Cronossinclástico? É por causa dele que nossos personagens infundibulados cronossinclasticamente causam tanto estrago na vida dos que não passaram por esse… evento.
Imagine a cena: um belo dia, há um boom de viagens espaciais – todos querem visitar o “lá fora”, o “desconhecido” – mesmo não se importando com os próprios vizinhos. Porém, ninguém imaginava a surpresa escondida no espaço: entre a Terra e Marte, havia um fenômeno recém-descoberto, e todos que passavam por ele desapareciam. Este evento, como vocês devem ter desconfiado, foi denominado Infundíbulo Cronossinclástico.
Quem o atravessa não desaparece de verdade. A pessoa apenas fica espalhada por toda parte, por todo o tempo, sente dores constantes e não vive, digamos, um dia de cada vez.
Com a certeza de um assíduo jogador aleatório de loteria, Winston Niles Rumfoord entrou em sua nave em direção a esse exato local perigoso e desconhecido. Mas quem, em sã consciência, acompanharia esse genial cidadão capaz de cometer tamanha burrice? Há apenas uma única resposta: seu cão Kazak. Foi uma escolha bem esperta, já que qualquer outro ser vivo, que conseguisse se comunicar, diria um belo e firme “não”.
Rumfoord, e seu cachorro Kazak, apesar de toda positividade envolvida, sofreram o mesmo fim de qualquer outra criatura que atravessasse esse evento cósmico. Como consequência, eles passaram a se materializar na Terra a cada 59 dias, por apenas 1 hora. Durante suas aparições, a esposa, Beatrice Rumfoord, ficava o mais distante possível do marido.
Ela o evitava porque Winston, por estar infundibulado, tornou-se um adivinho certeiro, por manter contato com o futuro, o presente e o passado. Como se não bastasse, ele também conseguia ler mentes. Na sua primeira aparição, exibindo seus novos dotes, contou que, em breve, a esposa viajaria para Marte com um tal Malachi Constant, com quem também teria um filho.
O sr. Constant, a quem podemos carinhosamente chamar de ricaço sem noção, também foi informado do seu futuro. Mesmo esse exemplo magnífico de pessoa, ao ser informado do seu destino, fez de tudo para mudá-lo. Afinal, tendo tudo na Terra, por que ele aceitaria ir para Marte, Mercúrio, retornar à Terra e ter como destino final Titã?
Questionamentos e críticas
Apesar do nome do livro, as reflexões são focadas em questões humanas. A parte científica está presente, mas sem grandes complicações – aparentemente, a vida é mais complicada do que um Infundíbulo Cronossinclástico.
Qual é o sentido da vida? Quem irá conseguir decifrá-lo? Uma pessoa que dedicou 40 anos a uma única empresa, uma pessoa que sofreu lavagem cerebral e não se lembra mais da própria identidade, um comandante disfarçado… ou é algo inalcançável?
Vonnegut brinca com seus personagens e nos faz acompanhá-los ao tentarem comandar suas próprias ações. A todo momento nos questionamos conjuntamente: existe livre-arbítrio?
O autor critica escancaradamente a instituição militar. Em determinado ponto, ele cria uma lista com itens “militarmente idiotas”. Nela constava desde mostrar sua posição ao inimigo até manter um livro no baú de pertences e perguntar quem e por que começaram a guerra.
Vonnegut expõe maestralmente a maldade e a frustração interna dos seres humanos, maquiadas de boas intenções. Eles não fazem perguntas, aceitam ser as traças de uma estrutura podre, contanto que se beneficiem – pouco importa se estão fabricando uma peça de mamadeira, de automóvel ou de bomba nuclear.
O fim do começo
Kurt Vonnegut consegue, através de sua escrita humorada e afiada, nos fazer refletir sobre temas importantes, além de estimular o olhar crítico às instituições presentes na nossa sociedade.
Podemos aprender com a obra deste irreverente autor a não sermos uma traça, um vizinho aeronauta indiferente ou um ser humano maquiavélico. A solução é simples: vi no futuro que basta apenas você comprar o livro As sereias de Titã na Livraria Leitura mais próxima e tudo – ou quase tudo – ficará bem. Pode confiar.
Willyara
Vonnegut era um gênio né!? As Sereias de Titãs foi o meu primeiro contato com o autor. O tanto que ri, refleti, questionei e cai em uma espiral de emoções com esse livro, não está escrito.
Resenha maravilhosa!