Dezenove Garras e um Pássaro Preto (ou melhor: Dezenove Drágeas e um Delírio Alucinógeno)

Ler Dezenove Garras e um Pássaro Preto é revisitar o estilo visceral de Agustina Bazterrica sob uma nova luz. Quem se impressionou com Saboroso Cadáver (2022, Darkside Books) já sabe que ela não poupa sangue, mas busca, sobretudo, o impacto reflexivo. Nesse novo livro, uma coletânea com 19 contos, Bazterrica reafirma sua assinatura: horror social, absurdos cotidianos, humor ácido e uma capacidade surpreendente de experimentar registros narrativos.
Publicado em 2023 pela DarkSide Books, o livro amplifica a coleção anterior (Antes del encuentro feroz, 2016) e apresenta contos diversos: há narrativas em primeira pessoa, outras em terceira, há fluxo de consciência, paródias de autoajuda, memórias surreais, investigações psicológicas e puro nonsense.
Para quem ama Saboroso Cadáver, é um alívio e ao mesmo tempo um choque perceber que Bazterrica não se limita ao tom distópico dessa obra. Agora há leveza e camadas de comédia sombrias que surgem em meio ao absurdo. Aliás, a autora mesma destaca que buscou registros mais poéticos, e que cada conto constitui “um pequeno universo”.
Os temas são poder, violência, morte e solidão. Há contos grotescos, como exemplo, uma menina que acredita ter um coelho entre as pernas, uma mulher que se sente enterrada viva em vida e um torcedor vítima de superstição futebolística, mas sempre com uma quinta dimensão: a crítica social. Ao melhor estilo Julio Cortázar, Bazterrica bebe da tradição fantástica argentina e mistura horror com estranheza.
Em “Roberto” e “Um Som Leve, Rápido e Monstruoso”, ela mergulha em experiências pessoais como assédio feminino e suicídio, e transforma microtraumas em narrativas que incomodam profundamente. Essas histórias não apenas chocam, mas escavam algumas estruturas que sustentam o medo cotidiano: o machismo, a objetificação do corpo feminino, dentre outros. Em Saboroso Cadáver, a exploração é de forma direta e intensa, mas em Dezenove Garras é na forma emocional, mental e ideológica.
Esta coletânea entrega Bazterrica em sua fase mais fluida e inquietante. Há crueldade, mas também elegância; humor, mas também gritos reprimidos. É um livro indispensável para quem ama o horror sofisticado da DarkSide Books e admirou a força brutal de Saboroso Cadáver. Ainda que diferente, mantém o mesmo ímpeto: cutucar feridas e iluminar o silêncio atrás do bizarro. Se a distopia do romance me fez olhar para fora, os contos deste livro me fizeram olhar para dentro e continuar respirando, mesmo que com as garras à espreita e um pássaro preto rasgando o céu.
Se Saboroso Cadáver foi um apetitoso (e repugnante) banquete distópico de horror, Dezenove Garras e um Pássaro Preto é uma degustação em 19 pratos, às vezes salgados, outros doces, outros mais amargos, mas todos intensos. Entre sarcasmo e melancolia, a autora nos leva a confrontar medos reais: os monstros que habitam ruas, escritórios, casas e corpos. E por fim, como fã da DarkSide Books, ressalto que esse lançamento se encaixa com honras nos títulos que fazem parte do catálogo da editora. Essa edição, com capa dura em P&B e projeto gráfico sóbrio, casa perfeitamente com o conteúdo: ágil, breve, brutal e belo.

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