Imagens Estranhas: quando um desenho inocente revela segredos sombrios

Érika Monteiro

Imagens Estranhas, publicado pela Suma, é o primeiro suspense de Uketsu, autor e youtuber conhecido mundialmente por suas histórias de mistério e terror, além de seus vídeos estranhos que acumulam milhões de visualizações.

O livro é dividido em quatro partes, cada uma trazendo uma imagem estranha que o leitor precisa desvendar junto com os personagens. À primeira vista, parece um desenho completamente normal, feito por uma criança, mas, conforme as perguntas vão surgindo e sendo respondidas, percebemos que há todo um universo por trás de cada elemento.

Além disso, a história acontece entre 1992 e 2015, e essa passagem de tempo dá um toque todo especial à trama. Quando o leitor acredita que compreendeu todas as pistas, novas evidências surgem no capítulo seguinte. Essa estrutura dá a Imagens Estranhas uma característica peculiar que torna o final muito mais interessante. Foi muito bem construído e surpreende o leitor!

Em “O desenho da mulher ao vento”, acompanhamos o casal Shin e Yuki. Ela está grávida, mas a gestação é de risco. Poucos dias antes do parto, Yuki faz alguns desenhos. Seu marido, na inocência, acredita que o objetivo era apenas registrar a família antes do “grande dia”. No entanto, sua esposa morre ao dar à luz. Agora, ele precisa desvendar o que são aqueles desenhos e por que eles não estão em sequência. Para isso, posta todas as imagens em seu blog, na esperança de que algum seguidor o ajude a descobrir a mensagem deixada por sua esposa. Qual seria a ordem correta dos desenhos? Yuki previu o futuro? Por que não desenhou Shin mais velho? O que a senhora representa? E por que o bebê está com roupinha de Papai Noel?

“O desenho do quarto encoberto de névoa” nos apresenta Yuta Konno, uma criança de apenas 4 anos. Às vésperas do Dia das Mães, sua professora pede que todos os alunos façam um desenho que lembre essa data. O menino entrega a imagem de um prédio, ao lado dele e de sua mãe. No entanto, o que chama atenção da professora é o seguinte: o desenho está borrado. Sempre que uma criança erra, pode pedir outra folha, mas Yuta não fez isso. O que ele estava desenhando antes do prédio? Ou será que foi depois? Por que mudou de ideia e manteve o borrão bem no meio da folha? Qual o seu significado marcando justamente o apartamento onde mora? Essas perguntas dão início a muitas teorias. Mas será que alguma delas é a correta?

No capítulo seguinte, “O desenho final do professor de artes”, vamos conhecer Yoshiharu Miura, um professor muito exigente. Num feriado, ele decide fazer uma trilha com um conhecido, mas o colega desiste na metade do caminho. Na manhã seguinte, Miura é encontrado morto. Além de alguns itens terem sido roubados, há também um desenho bem esquisito das montanhas. O que a polícia não entende é como um professor de artes possa ter feito algo tão amador: as linhas estão tortas, usou um ticket de supermercado em vez de seu caderno e a paisagem retratada é noturna. Mas por que desenhar à noite? Há alguma mensagem escondida naqueles rabiscos? O jornalista Kumai não medirá esforços para descobrir toda a verdade.

Por fim, em “O desenho da árvore que protege o passarinho”, conhecemos Naomi, uma garotinha de 10 anos muito apegada ao pai. Na comemoração de seu aniversário, ela pede um passarinho de presente. A mãe é contra, mas acaba concordando por se tratar de uma data especial. Quase um ano depois, seu pai falece, e a menina segue cuidando de Pinho, o pássaro, com ainda mais carinho. Um dia, voltando da escola, encontra a mãe agredindo seu bichinho de estimação. Ele está quase sem vida e Naomi não sabe o que fazer para salvá-lo. É quando se vê diante da casinha de madeira que fez junto com o pai e usa para agredi-la, forçando-a soltar o passarinho. As duas começam uma luta que resulta na morte de sua mãe.

Naomi, ao ser enviada para um reformatório, faz o desenho de uma casa, uma menina sorrindo e uma árvore com um pássaro em seu interior. Uma cena aparentemente comum, porém o sorriso, os galhos e a posição do pássaro estão estranhos. Pode-se acreditar que é apenas o estilo da menina, no entanto, aquele desenho esconde alguns segredos. Alguém será capaz de descobrir?

O primeiro personagem que chamou minha atenção foi Shin. Ele decide criar um blog para compartilhar diariamente a sua rotina. O blogueiro é bem alegre, alto astral e começa contando como é a sua vida de casado. Está feliz por ter se casado com a mulher que tanto ama. Algum tempo depois ele anuncia a gravidez de Yuki, sua esposa. Ainda mais empolgado, promete aos seguidores contar tudo sobre essa nova fase da sua vida. Como blogueira old school senti um quentinho no coração ao me ver representada, ainda mais por um personagem tão parecido comigo.

Outro personagem que gostei bastante foi o professor Miura. Ele é aquela pessoa que está sempre em busca de algo diferente para fazer. Gosta de artes, conhecer lugares novos, ajudar as pessoas à sua volta, e o mais interessante ter contato com a natureza. Com frequência, Miura sobe a montanha fazendo trilha. Ao chegar ao topo, ele respira o ar puro, aprecia a vista e desenha a paisagem como se estivesse ali pela primeira vez. Esse trecho me deixou com vontade de me aventurar pelas trilhas de Bombinhas, aqui em Santa Catarina, mesmo numa manhã de inverno. A vista lá de cima é surreal! A trilha é um pouco íngreme, mas chegar ao topo vale a pena.

O jornalista Kumai também merece destaque, principalmente pelas reflexões sobre sua profissão e a própria vida. Mesmo quando a polícia começa a deixar de lado o caso do Professor Miura, ele reúne as informações mais importantes e faz um dossiê tentando manter a investigação aberta. Porém, sem novas evidências, a polícia, assim como a mídia, vão esquecendo aos poucos o que aconteceu.

Por último, a psicóloga Tomiko Hagio, que atende uma menina por ter matado a própria mãe. Apesar de ser um crime horrendo, por se tratar de uma criança, a profissional entende que é possível dar uma segunda chance. Com a mudança de ambiente, tratamento adequado, e atenção necessária, seu comportamento pode mudar e crescer de maneira saudável. A esperança que Tomiko tem nas crianças sob seus cuidados é algo que desperta curiosidade. Enquanto algumas pessoas acreditam ser um caso perdido, ela investe sua energia em fazer um bom trabalho. Essa sua confiança pode fazer ou não diferença, o futuro se encarregará de mostrar.

Kurihara é fã de mistério e ocultismo, numa de suas pesquisas encontra por acaso o blog de Shin e fica curioso para saber o que está por trás de cinco imagens desenhadas por Yuki, esposa do blogueiro. Ele mostra o blog a Shuhei e ambos começam a criar teorias sobre a sequência correta e o significado de cada desenho. Surge outra dúvida: por que Shin fez um post dizendo ter descoberto o segredo dos desenhos e que aquela seria sua última postagem?

Ele escreve de uma maneira que os leitores percebem que o blog era atualizado diariamente, no entanto, o post anterior tem data de dois anos atrás. Os outros posts foram apagados? Por qual motivo? O que o fez parar de escrever? Por que ele diz ter descoberto a verdade sobre um crime, mas não perdoa a pessoa por isso? Shin estaria se referindo a Yuki? Essa é a resposta dos desenhos?

É interessante perceber o quanto Shuhei mergulha nesse mistério e tenta encontrar mais informações sobre o que aconteceu naquela época. Mesmo não conhecendo aquelas pessoas, ele sente empatia e tristeza por tudo o que passaram. A cada novo encontro com Kurihara surgem novas teorias. Por que as imagens estão numeradas? Por que os números são de tamanhos diferentes? Quem cometeu um crime?

Yuta é um menino de apenas 4 anos. Quando a professora pede para a classe fazer uma homenagem ao Dia das Mães, ele começa a desenhar, porém, ao ‘errar’ deixa uma mancha no meio da página. Ao invés de pedir outra folha, a criança entrega o desenho borrado. Aquele detalhe chama atenção da professora. Ao conversar com a mãe de Yuta tem esperança de que ela saiba por que aquilo aconteceu.

A mãe explica que no dia anterior o menino estava rabiscando a casa inteira, inclusive as paredes, ela gritou e o pôs de castigo deixando-o chateado. Ambas acreditam que Yuta possa ter se lembrado do incidente e ficado triste no momento de desenhar e isso causou o erro.

Yuta e sua mãe, ao voltarem para casa, percebem que estão sendo seguidos por um carro muito estranho. Ela tenta correr com o menino, porém o carro os segue até o prédio onde moram. Quem está naquele veículo? O que querem com eles? Ao entrar no elevador, ela percebe que o motorista desceu do carro e entrou no prédio. O que pode fazer para salvar o seu filho? Entrar no apartamento ou voltar para a rua e buscar ajuda? Eles sobem o elevador e se trancam no apartamento. Ela pensa que estão a salvo.

No dia seguinte, porém, a criança simplesmente desaparece! Quando sua mãe levanta de manhã cedo, Yuta não está na cama, a porta está aberta e não há sinal do menino. Ela fica desesperada, liga para a escola, e procura nas ruas próximas. Ao lembrar que o prédio possui câmeras, ela pede ao porteiro para ver as imagens e consegue descobrir que o menino saiu do prédio sozinho, mas não tem ideia de onde ele pode ter ido.

A sequência de acontecimentos levanta alguns questionamentos. Levar uma bronca da mãe foi muito grave? Isso motivou o menino ir embora de casa? Ele realmente fugiu ou alguém o raptou? Por que sua mãe não ligou para a polícia? E a perseguição do dia anterior, quem era o motorista do carro preto? O autor consegue de maneira muito inteligente prender a atenção do leitor a cada nova revelação. Sentimos um frio na barriga e nos perguntamos o que aconteceu com Yuta e se sua mãe está envolvida de alguma maneira.

Como disse anteriormente, esse foi um dos personagens mais marcantes por todas as suas características. Além disso, o assassinato na trilha num feriado deixa o leitor curioso em saber o que pode ter acontecido com um professor tão dedicado. Alguém o atacou enquanto dormia? Foi uma emboscada? Quem seria capaz de se esconder na floresta e esperar o momento certo para agir? E o mais importante, qual seria o motivo?

Quando a polícia dá início às investigações aquela imagem de bom professor começa a ruir. Lendo os interrogatórios percebemos que por trás da admiração há muita mágoa, inveja e rancor. Seja aluno, colega de trabalho, ou mesmo sua esposa, todos têm motivos ocultos para lhe fazer algum mal. No entanto, todos possuem álibis e isso dificulta encontrar o verdadeiro culpado.

Quem teria motivos para se vingar de uma pessoa que era considerada talentosa, um bom profissional, e pai de família? E o desenho encontrado na cena do crime, pode ser a resposta? É incrível como vamos sendo apresentados a um outro lado de Miura e com isso criando as nossas próprias teorias. A escrita de Uketsu é envolvente a cada página.

Chegamos ao capítulo mais denso do livro! Quem já assistiu séries como Criminal Minds, Law & Order ou mesmo CSI sabe o quanto é sinistro quando a história envolve crianças, essa é igualmente assustadora. Naomi é uma garotinha que mora com os pais, porém ela é mais apegada ao pai. Sua mãe é distante, fria, e parece tratá-la bem apenas para ter a admiração do marido. 

Em seu aniversário Naomi pede um pássaro de presente, seu pai concorda apesar de a mãe não gostar muito da ideia. Isso faz com que os dois se tornem ainda mais próximos. A menina está radiante de felicidade pois pode brincar com seu novo bichinho de estimação e está fazendo uma casinha de madeira pra ele junto com o seu pai. A mãe permanece distante sempre irônica e questionando por que tanto alarde por um simples pássaro.

Fica nítido o quanto ela sente ciúmes da relação do marido com a filha. Ao invés de tentar entender e se aproximar para fazer parte daquele momento especial, ela se afasta ainda mais causando um certo desconforto na família. Quase um ano depois, o pai de Naomi comete suicídio. Ninguém entende o motivo. As pessoas começam a se afastar das duas. A mãe da menina perde o chão, não prepara as refeições, não arruma a casa, nas faz compras, e se torna violenta.

Todas as tarefas da casa agora são responsabilidade de Naomi. Ela precisa amadurecer mais rápido que as meninas da sua idade. Além de estudar, cuidar do pássaro, precisa deixar tudo em ordem para não desagradar a sua mãe. Quando faz algo errado leva uma surra, foram tantas ao longo dos meses que seus braços ficam roxos e marcados. No entanto, a menina ainda consegue perdoar a mãe pois acredita que se ela for boazinha a mãe poderá amá-la assim como o seu pai a amava.

Num dia Naomi tem a ideia de comprar ingredientes e fazer um almoço especial para agradar a sua mãe, no nervosismo deixa um prato cair no chão. Em meio aos cacos de vidro e pedidos de desculpas, sua mãe ri com sarcasmo e lhe diz que ela deveria ter morrido no lugar do marido. Naquele momento a menina percebe que jamais terá o amor de sua mãe. Parece que algo se quebra dentro dela. 

Esse momento da história me deixou muito triste. Como uma criança pode crescer de maneira saudável sabendo que não é amada pela própria mãe? Assumindo responsabilidades, cuidando de tudo, e percebendo que nunca será o suficiente? É compreensível quando dizem que nem todas as pessoas nasceram para serem pais. Acredito que é semelhante ter vocação para ser médico ou psicólogo.

Sempre que termino uma leitura, faço uma lista com as ideias mais interessantes ou lições que posso levar para o dia a dia. Com esse livro não foi diferente. Mesmo sendo um suspense, a história em si apresenta alguns questionamentos. As crianças merecem uma segunda chance? O ambiente em que elas crescem molda a sua personalidade? É possível fazer escolhas diferentes apesar do destino? Conhecemos de verdade as pessoas que nos cercam? O relacionamento com os pais tem influência sobre quem nos tornamos quando adultos?

Durante um tempo fui professora de adolescentes, ensinava informática num projeto social. Nesse período percebi o quanto as pessoas podem ser diferentes mesmo crescendo em situações semelhantes. Ou seja, mesmo vindo de condições precárias é nítido que alguns têm mais ambição e força de vontade do que outros. É evidente, também, como alguns conseguem resolver problemas, sair de situações incômodas, enquanto outros apenas esperam que tudo se ajeite sem esforço.

Quando a psicóloga pede a uma criança que desenhe algo que vem à sua mente, ela analisa cada pequeno detalhe, cada elemento e tenta compreender a sua personalidade. Ao dizer que uma menina com traços de maldade se mudar de ambiente pode ter uma outra vida, ela mostra que ao dar uma chance é possível mudar a si mesmo. Crescer cercada de pessoas boas pode ser positivo e mudar a vida de uma pessoa.

Esse trecho lembra aquela cena de Harry Potter e a Câmara Secreta, quando Harry questiona Dumbledore quanto a ele ter sido destinado a Sonserina, mas o chapéu seletor ter dito Grifinória. O professor responde que, mais importante do que o lugar em que estamos, são as decisões que tomamos. De certa maneira, concordo com ele, todos os dias temos a oportunidade de fazer novas escolhas, andar por outro caminho, e mudar quem somos. Para uma criança talvez seja mais difícil, porque ela sofre influência do meio e alguns traumas podem impedi-la de agir de outra forma.

Hoje, acompanhando alguns dos meus ex-alunos, me sinto orgulhosa vendo onde conseguiram chegar. Perceber a importância de dar uma segunda chance e ver quais aproveitaram é muito gratificante. O mérito é de cada um deles por terem percebido esperança num futuro.

Quanto ao final, fiquei surpresa com a delicadeza do que foi construído pelo autor. Durante a leitura criei diversas teorias e confesso que nenhuma delas foi a certa. A maneira como Uketsu conduz o leitor ao encerramento da história nos deixa com o coração quentinho. Quando iniciei Imagens Estranhas esperava algo semelhante a Casas Estranhas, mas fui surpreendida de um jeito positivo. Cada capítulo é uma peça do quebra-cabeça e ao final tudo começa a fazer sentido e você relembra os detalhes que deixou de lado.

Quanto a edição da Suma, o trabalho gráfico ficou incrível. As folhas amarelas deixam a leitura mais agradável. Atenção especial aos elementos da capa, após a leitura é possível compreender porque foi feita essa escolha. Semelhante quando assistimos a um filme e chegamos na cena que justifica o título.

Muito obrigada à Livraria Leitura pela experiência de ler Imagens estranhas, gostei muito de visitar o Japão novamente e conhecer um pouco mais sobre a cultura japonesa.


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