Mauricio de Sousa – Biografia em Quadrinhos: o menino que desenhou o Brasil

Ronaldo Gillet

Há pessoas que nascem com um lápis na mão. E há aquelas que, mesmo sem saber escrever ainda, já reconhecem o traço de quem faz o mundo parecer mais leve. Eu fui alfabetizado com Mauricio de Sousa — e talvez essa seja uma das frases mais doces que se possa dizer sobre a própria infância. Antes mesmo de aprender a decifrar as letras, eu já sabia o que era um balão de fala. Tinha uns quatro anos, mal juntava sílabas, mas entendia perfeitamente quando a Mônica se irritava, o Cebolinha tramava e o Cascão fugia da água.

Ler Mauricio de Sousa – Biografia em Quadrinhos foi, portanto, como abrir um álbum de memórias que ainda têm cheiro de papel-jornal e risada de criança. E é curioso como o tempo, esse grande roteirista da vida, quis que eu me encontrasse com a HQ justamente no mês em que o próprio Mauricio completa 90 anos — o mesmo mês do aniversário da minha mãe. Talvez por isso, enquanto folheava as páginas, sentia não apenas o peso da história de um gênio dos quadrinhos, mas o calor de uma herança afetiva que atravessa gerações.

A HQ começa com festa — e não poderia ser diferente. “O Aniversário de Mauricio de Sousa” abre o volume com um clima de celebração que é puro reconhecimento. É a Turma da Mônica em grande estilo, tomando as rédeas da narrativa para contar a vida do homem que, ironicamente, criou cada um deles. E é aí que o leitor é conduzido para o interior de São Paulo, onde um garoto curioso e apaixonado por desenho começou a transformar o cotidiano em arte. O menino de Santa Isabel que observava o mundo e o devolvia em traços simples, mas cheios de significado.

O que o quadrinho faz — com enorme delicadeza — é misturar biografia e ficção sem perder o ritmo nem o encanto. A Turma atua como narradora, testemunha e comentarista da trajetória do seu criador, e isso confere à leitura um sabor metalinguístico irresistível. É quase como se o próprio Mauricio, entre um quadrinho e outro, piscasse para o leitor e dissesse: “Viu só até onde chegamos?”.

E chegamos longe. O menino que desenhava no interior paulista construiu um império editorial, deu voz e rosto a personagens que são mais brasileiros do que muitos símbolos oficiais, levou os quadrinhos às escolas, ao cinema, ao streaming — e ainda encontra tempo para reinventar a si mesmo. As 112 páginas desse material são um retrato colorido de pura ternura e reverência: uma homenagem viva e necessária. A obra celebra o artista, o empresário, o contador de histórias e, sobretudo, o homem que entendeu que a infância é o idioma universal da empatia.

Enquanto lia, me dei conta de que cada quadro do livro parecia conversar com a criança que fui. Lembro das tardes em que eu mesmo rabiscava no verso dos gibis, achando que poderia criar meu próprio personagem. Essa é a magia dos quadrinhos: eles não apenas contam uma história, mas despertam a vontade de inventar uma.

O roteiro da biografia, fiel à trajetória real do autor, percorre os primeiros trabalhos de Mauricio como repórter policial, a descoberta de que o desenho falava mais alto, as dificuldades para publicar seus primeiros personagens e o nascimento daquela menina dentuça inspirada em sua filha. O livro tem ritmo, tem humor e, acima de tudo, tem afeto. A cada página, percebemos que a Turma da Mônica não é apenas uma criação, e sim uma extensão da própria vida de Mauricio, uma tradução desenhada do seu olhar sobre o Brasil.

A galeria de fotos e a entrevista que encerram a edição são um presente à parte. Elas reforçam a dimensão humana de Mauricio: o criador que, mesmo aos 90 anos, continua sonhando como um menino de lápis na mão. É impossível não sentir um nó na garganta ao perceber que ele ainda fala dos personagens como quem fala dos filhos — e, de certa forma, são mesmo.

Essa leitura me levou de volta à sala da minha mãe, onde os gibis ficavam empilhados sobre a mesinha de centro. Ela sempre dizia que eu só sossegava quando ganhava um gibi novo. Hoje, tantas décadas depois, entendo que aquele ritual simples — abrir uma revista, rir de um plano infalível e esperar pelo próximo número — era o começo de algo muito maior. Era o nascimento do leitor que eu sou.

Mauricio de Sousa desenhou não apenas personagens, mas a memória coletiva de um país inteiro. Criou um universo onde a amizade, a diversidade e o perdão sempre vencem, mesmo que entre tapas, coelhos e quedas espetaculares. Ler sua biografia em quadrinhos é revisitar o próprio Brasil, com suas cores, sotaques e contradições — uma nação que ainda acredita que é possível ser bom, mesmo quando o mundo parece esquecer disso.

Não é exagero dizer que desenhar é uma forma de nunca crescer completamente. E talvez seja isso o que mantém Mauricio tão vivo aos 90 anos. Afinal, ele nunca deixou de ser o garoto do interior que via o mundo com olhos de encantamento. E foi esse mestre quem nos ensinou a fazer o mesmo.

Fechei o quadrinho com um sorriso de quem reencontra velhos amigos. Pensei na Mônica, no Cebolinha, na Magali, no Cascão, no Chico Bento, na Tina, no Bidu — todos ali, celebrando juntos o aniversário do homem que lhes deu vida (e o da minha mãe, professora da vida também). Acho que é por isso que o livro me emocionou tanto: porque, no fundo, é também uma história sobre o tempo, sobre o amor e sobre o poder que as histórias têm de nos unir.

Mauricio de Sousa é o menino que desenhou o Brasil. E a gente, de algum jeito, aprendeu a ler o mundo com ele.


Resenhado por Ronaldo Gillet (@oveionerd) 📚


Garanta o seu exemplar: Mauricio de Sousa – Biografia em Quadrinhos 🛒

Curtiu a resenha e quer ver as indicações do nosso colunista? Acesse o perfil do Ronaldo 🔍

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Back to top