Quando Deus Era Mulher: a história do sagrado feminino

Bruna Cobellas

Escrito em 1970, Quando Deus Era Mulher surge em um contexto profundamente marcado pelo machismo estrutural, que persiste até hoje, ainda que se manifestasse de formas diferentes naquela época. Já nas primeiras páginas, Merlin Stone nos recorda da existência de um culto às Mulheres no passado, em que bruxas e bruxos honravam Deusas em diversas culturas: egípcia, céltica, nórdica, mesopotâmica, entre tantas outras.

Quando a Deusa era celebrada

A autora recupera vozes antigas que ecoam até hoje: a visão da mulher como fonte eterna de poder, fertilidade e mistério. Naquelas culturas, a Deusa era reverenciada em sua completude, celebrada em seus múltiplos aspectos, e não reduzida a uma função limitada. Em contrapartida, o rompimento acontece com a ascensão do cristianismo, que pouco a pouco relega a mulher ao silêncio, à obediência e à invisibilidade social. Como a própria Stone cita:

A arqueologia não mente

A obra mergulha nas raízes do Neolítico, período no qual já existiam provas históricas e arqueológicas da religiosidade feminina. Porém, esses cultos foram perseguidos, silenciados e adulterados, e até hoje muitos livros de história cristã tentam negar sua existência. Mas a arqueologia não mente: há vestígios claros de uma religião da Deusa que foi violentamente suprimida. Como afirma Stone:

A perseguição ao sagrado feminino

Essa leitura é dolorosa, especialmente ao nos depararmos com relatos da destruição de templos, ídolos e santuários pagãos, registrados na própria Bíblia:

Paganismo distorcido e silenciado

É impossível não sentir o peso da dor ao imaginar quantas vidas, quantas memórias e quantos saberes foram apagados — não apenas pela violência física, mas também pela adulteração das narrativas. Além disso, até mesmo no cinema isso se repete: filmes como The Wicker Man (O Homem de Palha) e, mais recentemente, Midsommar, carregam uma visão caricata, demonizada e distorcida do paganismo, reforçando a ideia de práticas “sujas” e deturpadas.

Stone também denuncia a manipulação dentro dos próprios textos sagrados, onde a Deusa é apagada ou reinterpretada no masculino. O Velho Testamento sequer possui uma palavra para “Deusa”, substituindo-a por Elohim, de gênero masculino. Tudo para reafirmar a supremacia patriarcal, com o propósito de negar o vínculo humano com o feminino sagrado.

O legado esquecido

O livro critica ainda figuras acadêmicas renomadas, como o arqueólogo W. F. Albright, que descreveu a religião feminina como “adoração de natureza orgiástica, nudez sensual e mitologia grosseira”, exaltando, em contrapartida, a “pureza” do monoteísmo israelita. A parcialidade salta aos olhos: é o patriarcado dentro da própria ciência, tentando deslegitimar séculos de história.

Merlin Stone lembra do que foi esquecido pela sociedade atual: Deusas do Sol, da caça, da força, da criação. Mulheres que desenvolveram alfabetos, cultivaram campos, preparavam remédios e governavam como juízas, profetisas e líderes. Basta lembrar que, na Mesopotâmia, Ishtar era chamada de “Diretora do Povo” e “Senhora da Visão”, e registros mostram mulheres atuando como magistradas.

Eva e a dor como castigo

Mas, talvez, uma das passagens mais marcantes seja a reflexão sobre Eva e a dor do parto:

Desde crianças, aprendemos que a dor é uma condenação divina, um castigo herdado. Quantas mulheres ainda hoje não repetem, inconscientemente, esse mito?

Um manifesto pela memória

No fim, Quando Deus Era Mulher não é apenas um livro histórico — é um manifesto pela memória. Em suma, é um chamado para olharmos para trás e reconhecermos que houve um tempo em que a mulher era celebrada, não silenciada. É um lembrete de que a luta contra o patriarcado não é recente, mas milenar.

Ao fechar as páginas, a sensação que fica é de indignação, mas também de renascimento. Merlin Stone nos convida a resgatar a ancestralidade feminina e devolver à Deusa — e a nós mesmas — o lugar de honra que sempre foi nosso.


Garanta o seu exemplar: Quando Deus Era Mulher 🛒

Gostou do livro e quer outra recomendação? Leia sobre O Dicionário da Bruxaria 🔮

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Back to top